O Autismo na Educação Infantil – um campo fértil de possibilidades
Por Raul Miranda
O que é TEA?
O Transtorno do Espectro do Autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento em que não se desenvolvem, como esperado, algumas funções neurológicas afetadas por ele.
A importância do diagnóstico precoce se dá por seus primeiros sintomas manifestarem-se antes dos 3 anos da criança, por isso a necessidade do quanto antes iniciarem as intervenções terapêuticas, melhor o prognóstico para o indivíduo.
Cada criança com autismo apresenta uma variedade de habilidades e dificuldades. Falar de autismo é falar de nuances, de uma diversidade. E podemos entender o “espectro” como qualquer variação em escala, que vai do mínimo para o máximo (ou vice-versa). Como exemplo, o espectro do som mínimo que chega ao som máximo passando por várias intensidades ou do branco chegando ao preto, passando por várias tonalidades de cinza.
O autismo é caracterizado por desenvolvimento atípico, manifestações comportamentais, deficits na comunicação e na interação social, padrões de comportamentos repetitivos e estereotipados, podendo apresentar um repertório restrito de interesses e atividades.
Os deficits ocasionados pelo TEA afetam o funcionamento pessoal, social, acadêmico e profissional desses indivíduos. Esses deficits prejudicam o processo de aprendizagem no desenvolvimento das Funções Executivas (FEs), em suas habilidades sociais ou até mesmo na inteligência.
Mudanças significativas quanto aos critérios diagnósticos do autismo foram trazidas pela nova classificação do DSM-V, sendo ampliada a identificação de sintomas, facilitando, assim, a compreensão por profissionais.
São 3 níveis do TEA, de acordo com suporte: nível 1, 2 e 3. Cada um dos níveis com sua complexidade e sintomas que afetam a pessoa com autismo em suas habilidades sociais e comportamentais.
Dada a sua complexidade, o autismo é amplamente estudado.
A importância da Educação Infantil para as crianças com autismo
É na Educação Infantil que está a base do processo de aprendizagem. Em seus cantos e encantos, as crianças exploram, experimentam, criam, inventam e testam hipóteses. Em seus mais diversos espaços, riquíssimas são as oportunidades para o desenvolvimento das habilidades infantis.
As crianças são grandes exploradoras, criam ideias sobre as coisas que a cercam e testam tudo que criam. É nessa fase que o cérebro tem enorme capacidade para criar e modificar redes neurais.
Nessa grande janela de oportunidades, que coincide com o período da Educação Infantil, as crianças com autismo iniciam a intervenção precoce. Essas intervenções, ocorrendo em um tempo que o cérebro infantil se desenvolve tão rápido, aumentam a efetividade de tais estímulos, possibilitando uma grande oportunidade de aprendizagem.
A intervenção precoce nas crianças pequenas com autismo pode melhorar a capacidade de aprender, de brincar, de se comunicar, das relações sociais e, até mesmo, da redução dos comportamentos-problema.
É importante que sejam oferecidas às crianças diversas oportunidades de aprendizagem, para experimentarem e testarem hipóteses de diferentes maneiras sobre determinada situação. Assim, a escola é um ambiente rico em oportunidades, com a possibilidade real de favorecer a modificação de comportamentos.
É importante destacar que, para uma mudança efetiva no comportamento e no desenvolvimento das crianças, principalmente das crianças atípicas, sejam proporcionadas situações de aprendizagem que possam estimulá-las a fazer e aprender algo novo. É necessário que se leve em consideração, para um bom trabalho de estimulação, as crianças estarem mais reguladas e que sejam ofertados estímulos que não as desregulem e, consequentemente, não sejam demais para o momento. Encontrar a dosagem ideal para essa estimulação é crucial para a ampliação de repertório, de forma abrangente, da criança com autismo, e requer um olhar atento em tudo o que a criança diz, sem precisar emitir uma só palavra. É emergencial um olhar e um fazer pedagógico, de fato, individualizado, em que a criança tenha seu direito à aprendizagem respeitado e que descubra, com o nosso apoio, partículas desse grandioso universo que nos cerca.
O professor da Educação Infantil e o seu papel na inclusão das crianças com autismo
A primeira etapa da educação básica é a Educação Infantil, sendo ofertada em creches e pré-escolas atendendo as crianças de 0 a 5 anos de idade. Nesse contexto, estão nossas crianças diagnosticadas com autismo ou em processo de investigação, que precisam de atenção e um trabalho individualizado.
As legislações vigentes são claras ao que se refere ao direito à inclusão e à oferta de ensino individualizado às crianças com autismo. No entanto, um dos maiores entraves para o processo educacional inclusivo atual é a de muitos profissionais da educação ainda sem formação inicial adequada para compreender e atuar em demandas tão específicas que exigem as crianças dentro do espectro. Consequentemente, uma formação continuada que não supre as necessidades desses profissionais.
É emergencial a oferta de formação aos profissionais da educação que, de fato, os capacitem para lidar com as especificidades das crianças autistas no uso de metodologias e abordagens pedagógicas baseadas em evidências, com eficácia comprovada cientificamente, favorecendo a inclusão escolar.
É certo que a educação é para todos, e a inclusão é um direito conquistado, mas a simples inserção de crianças com autismo nas escolas regulares não pode ser considerada uma prática inclusiva. Estar junto não é o mesmo que estar incluído. A inclusão requer práticas educacionais capazes de formar e fortalecer as relações das crianças consigo mesmas, com seus pares, com o ambiente ao seu redor e, principalmente, com a aprendizagem. Não percamos de vista a necessidade de fortalecer significativamente a relação das nossas crianças com a aprendizagem.
O professor bem capacitado exerce uma função primordial na engrenagem da inclusão das crianças autistas no ambiente escolar. São esses profissionais que selecionarão as melhores abordagens pedagógicas e metodológicas para que as crianças consigam sair das zonas de conforto e aprendam novas formas de fazer e, consequentemente, de pensar e agir sobre as coisas. São os professores que se debruçarão para compreender as singularidades, promovendo um ambiente e situações inclusivas.
A participação dos pais no processo de inclusão escolar
Atualmente, são observados avanços expressivos quanto ao diagnóstico precoce das crianças dentro do espectro, coincidindo com o período em que as crianças estão matriculadas na Educação Infantil. Logo, é importantíssimo que os profissionais da educação promovam o acolhimento dessas famílias e que as portas da escola estejam escancaradas para o diálogo. Assim, de forma colaborativa, temos a possibilidade real de compreensão quanto à singularidade das crianças.
Tecer a rede que apoia a criança com autismo não é um favor da escola, é uma obrigação de toda a sociedade. E na escola, a troca de informações entre família e os profissionais se faz essencial, já que situações vivenciadas no meio social e familiar da criança podem interferir, grandemente, no desempenho escolar.
A participação dos pais em todos os processos educacionais que a criança está inserida é primordial para o sucesso das intervenções. Informações como, por exemplo, ações ou materiais que regulam a criança, experimentações sensoriais que a criança realiza ou questões sensoriais que a desorganizam são cruciais para que nós, da educação, possamos providenciar e garantir melhor qualidade de vida a ela.
Essa troca contínua entre os agentes de todos os espaços que a criança transita e age possibilita a escolha de melhores estratégias para que, na escola, a criança avance na aquisição de habilidades.
Não distante do que tratamos até o momento, é com a participação ativa dos pais que nós, profissionais da educação, elaboraremos o Plano de Intervenção Individual (PDI) da criança. A construção do PDI deve levar em consideração todos os aspectos que envolvem o desenvolvimento da criança e os pais têm expectativas desse desenvolvimento. A elaboração e as ações que implementam o PDI que não levam em consideração as expectativas e a participação dos pais da criança-alvo perdem seu real potencial.
São grandes as possibilidades
Um importante papel dos profissionais da Educação Infantil é a identificação e a observação de sintomas precoces do autismo. Para uma sinalização mais assertiva, é imprescindível que todo o grupo de profissionais da escola tenha acesso a processos formativos capazes de auxiliá-los nessa tarefa tão importante. Não distante, é essencial dialogar com os responsáveis pela criança, elencando os sinais observados e os impactos no desenvolvimento e na aquisição de novas habilidades. Esse momento com os pais também é de acolhida e escuta, sendo que muitos deles podem ter bastante dificuldade em receber os apontamentos observados. Porém, não podemos esperar, cada dia a mais faz enorme diferença. Cabe à escola estabelecer contato mais próximo com cada uma das famílias, para que haja maior abertura às sinalizações, que se traduzem em um olhar atento e individualizado a cada uma das crianças a nós confiadas.
Conversando com os pais, é possível conhecer muito da criança. Nesse diálogo, é importante saber as habilidades que o pequeno já executa, como se comunica, quais são seus objetos de interesse, os personagens infantis de que gosta, tudo aquilo que compõe o universo infantil que mais chama a atenção, aquilo que não gosta ou o irrita, como são as suas “desorganizações”, o que pode desencadear essas “desorganizações” e, principalmente, como podemos ajudá-lo nesse momento. O ideal é que esse diálogo ocorra antes mesmo do primeiro contato do professor com a criança, para que, nesse encontro inicial, o professor, por exemplo, possa estar em mãos com um item que seja do interesse da criança. Assim, no primeiro momento, perceberá que seu professor se interessa por algo de que ela gosta, favorecendo uma boa formação de vínculo.
É imprescindível que a relação da criança e do professor seja alicerçada na confiança, e isso será possível somente se o professor conhecer em detalhes o pequeno e oferecer o suporte de que ele precisa.
Usar, nas propostas e vivências de sala de aula, materiais, personagens e elementos do universo infantil que a criança se interessa tornará a situação mais atrativa, divertida e contribuirá para que ela mantenha a atenção.
Utilize recursos visuais em sala de aula, é de extrema importância que a criança tenha acesso diário à rotina visual. As crianças com autismo podem ter dificuldade em compreender o redor e as leituras dos sinais sociais. O uso de uma rotina visual ajuda o pequeno a se organizar, com maior possibilidade de aceitar e entender a proposta ou vivência. Converse sobre o que acontecerá depois, abaixando-se na sua altura e usando figuras para auxiliar o seu entendimento. Use uma linguagem clara e objetiva, evitando muitas informações, isso pode dificultar a compreensão da criança.
Reduza os estímulos da sala de aula. Ambientes com muitas informações, ruídos altos e muita iluminação podem sobrecarregar sensorialmente as crianças autistas. Monte um cantinho da tranquilidade na sala de aula, com algumas almofadas, em um local com menor luminosidade e ofereça algum material ou brinquedo calmante.
Divida a proposta ou vivência em etapas, dê uma informação por vez, oferecendo modelo ao pequeno, demonstre como fazer. Para algumas crianças, será necessário que o professor ofereça ajuda física total, que consiste em segurar a mãozinha da criança para fazerem juntos para garantir a conclusão da proposta.
Reforce quando a criança concluir uma proposta ou uma atividade. Entregue para ela o seu reforçador após ter concluído o que lhe foi pedido. Os reforçadores podem ser elogios, materiais ou brinquedos de interesse dela, sendo motivadores para que realize a próxima proposta.
O planejamento específico para a criança com autismo é essencial para uma boa condução de sua aprendizagem. Dessa forma, flexibilizando as propostas e oferecendo os recursos necessários para a sua realização, a criança se sentirá segura, pertencente e ativa no seu processo de aprender.
É importantíssimo ressaltar que, dependendo do suporte que a criança precisa, é imprescindível a atuação do Acompanhante Terapêutico (AT) na escola que, com orientação dos especialistas que atendem o pequeno, oferecerá todo o apoio que precisar. É esse profissional que, em parceria com o professor da sala, auxiliará a criança na compreensão dos comandos, ajudará no direcionamento e nos redirecionamentos comportamentais, bem como estimulará a sua autonomia.
Assim, a Educação Infantil se faz um terreno fértil para acolhimento, escuta e, principalmente de intervenção precoce, que tanto as nossas crianças com autismo precisam.
Referências
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-5. Porto Alegre: Artmed, 2014.
DAWSON, G.; ROGERS, S.; VISMARA, L. Autismo: compreender e Agir em Família. Lisboa: Lidel, 2015.
GAIATO, M. SOS Autismo: Guia completo para entender o Transtorno do Espectro Autista. São Paulo: nVersos, 2018.
GAIATO, M.; TEIXEIRA, G. O Reizinho Autista: Guia para lidar com comportamentos difíceis. São Paulo: nVersos, 2018.